segunda-feira, 4 de abril de 2011

Marcílio Moraes revela alguns segredos dos bastidores de "Roque Santeiro" (OPINIÃO)



Pouca gente sabe, mas o autor Marcílio Moraes, hoje na Record, também ajudou a transformar a novela "Roque Santeiro" na obra-prima que ela é. Ao lado de Joaquim Assim, Marcílio Moraes foi um dos colaboradores de Aguinaldo Silva. O convite para trabalhar em "Roque Santeiro" partiu do próprio Dias, com quem Marcílio voltaria a trabalhar no futuro. Juntos, os dois fizeram, também, a novela "Mandala" e as minisséries "As Noivas de Copacabana" e "Dona Flor e Seus Dois Maridos", todas na TV Globo. "O que mais me fascinava no Dias era a facilidade que ele tinha para escrever personagens populares. Em duas ou três falas, o personagem já estava caracterizado. Achava isso bárbaro!", recorda. Nesta entrevista, Marcílio Moraes analisa o indiscutível sucesso de "Roque Santeiro", relembra o clima nos bastidores entre os roteiristas e elogia a iniciativa da Globo Marcas de lançar uma versão compactada da novela. E avisa: ainda tem muitas outras histórias de "Roque Santeiro" para contar. "Quando escrever minhas memórias, pretendo revelar todos os detalhes", promete.


André Bernardo - Vinte e cinco anos depois, qual é a lembrança mais forte que você guarda de "Roque Santeiro"?

Marcílio Moraes - "Roque Santeiro" foi minha estreia na TV. Eu vinha do teatro e já havia escrito uma minissérie, junto com o poeta Ferreira Gullar, mas que não chegou a ser gravada. Então guardo a lembrança do fascínio de uma atividade nova, sedutora, e que tinha uma repercussão inimaginável. Foi inesquecível.

AB - A que você atribui o indiscutível sucesso da novela?

MM - É interessante lembrar que, antes da estreia, havia muitas dúvidas sobre a novela. O Daniel Filho, por exemplo, achava que seria um fracasso. Acho que o sucesso se deve, antes de tudo, à dramaturgia do Dias Gomes. A concepção geral da obra é extraordinária. A peça na qual se inspira, "O Berço do Herói", do próprio Dias, já era muito interessante. Mas a novela, curiosamente, ficou muito melhor porque o Dias teve o saque genial de substituir o contexto de guerra e de forças armadas pelo religioso-popular. Isso envolveu a obra com um apelo, um potencial de identificação com o público inimaginável e avassalador. Claro que o acerto no elenco e na direção, obra do Paulo Ubiratan, também contribuíram para o êxito. Mas, fundamentalmente, o sucesso vem da dramaturgia e da capacidade de criar personagens e situações intrinsecamente brasileiras do Dias Gomes.


AB - Como surgiu o convite para trabalhar em "Roque Santeiro"?


MM - Quem me convidou para trabalhar na novela foi o próprio Dias Gomes, a quem eu havia sido apresentado pelo Ferreira Gullar. O Dias me colocou como colaborador do Aguinaldo, que estava incumbido de tocar a novela a partir do capítulo 51. O Dias já tinha 51 capítulos escritos para a versão que foi proibida em 1975.


AB - Como era a divisão de trabalho entre você, Aguinaldo Silva e Joaquim Assis?


MM - De início, o Aguinaldo escrevia 5 capítulos por semana e fazia a escaleta de um capítulo para que eu escrevesse. Mais tarde, o Joaquim também começou a escrever um capítulo por semana. A gente se reunia uma vez por semana para discutir as tramas e dar sugestões. Durante uma época em que o Dias estava viajando, nos reuníamos apenas eu, o Aguinaldo, o Joaquim e a Lílian Garcia, que era a pesquisadora. Quando o Dias voltou, ele passou a participar também das reuniões, supervisionando o que era feito. O clima, no começo, era ameno e amigável. Depois, creio que muito em função do fabuloso sucesso que a novela fazia, foi ficando pesado. Como colaborador, eu percebia apenas em parte o que estava acontecendo. Mas dava para sacar que havia uma disputa entre o Aguinaldo e o Dias. O Aguinaldo dava entrevistas como autor da novela e isso devia incomodar o Dias. O Dias mandou refazer alguns blocos, o que irritou muito o Aguinaldo. Coisas assim. A partir de um certo momento, o Aguinaldo pediu que nós assinássemos os capítulos que escrevíamos. Imagino que deve ter corrido algum boato de que ele não escrevia os capítulos ou, sei lá, alguém escrevia melhor que ele. Mas é só pegar os capítulos escritos, a partir do 100 e poucos, e verificar. Estão lá as assinaturas. Quando a novela deu 100 pontos no Ibope - não foi no final, como se costuma dizer -, o Dias declarou à imprensa que o capítulo foi escrito por mim. Acho que era o capítulo 141 e nem sei se foi mesmo eu que escrevi. Ainda que tenha sido, foi estruturado pelo Aguinaldo, logo seria dos dois. O Aguinaldo ficou furioso com isso. Neste ponto, as relações já estavam muito desgastadas. Como já disse, eu pegava as coisas por alto. Um dia, houve uma reunião estranha, onde havia alguma coisa no ar que eu não conseguia definir o que era. A reunião acabou abruptamente e eu não entendi o que tinha acontecido. Depois, vim a saber que tinha havido um acordo, mediado pelo Boni, para que o Aguinaldo, neste dia, oferecesse a novela de volta ao Dias, para que ele escrevesse os últimos capítulos. Estávamos no bloco do 150 e poucos ao 160. E o Aguinaldo, na reunião, simplesmente ficou na dele, não entregou a novela de volta ao Dias. O Dias, então, foi ao Boni e pediu que afastasse o Aguinaldo, o que ele fez. Eu e o Joaquim continuamos a trabalhar com o Dias e o Aguinaldo sumiu. Bem, sumiu, não. Desencadeou uma violenta campanha na imprensa contra o Dias Gomes. Uma baixaria inimaginável, que durou alguns anos.


AB - Na divisão de trabalho, você ficou responsável por escrever para algum núcleo ou personagem em específico?


MM - Desde o início, eu sempre escrevi o capítulo inteiro. Geralmente, o Aguinaldo me dava o capítulo da segunda-feira para escrever. Já com o Dias, não havia essa normalidade. Ao todo, escrevi 30 capítulos de "Roque Santeiro". E contribuí muito com ideias e críticas. Quando estávamos por volta do capítulo 80, por exemplo, o Aguinaldo resolveu revelar a identidade do Roque Santeiro (José Wilker). Nesta época, o Dias estava viajando na Europa. Eu pensei naquilo e concluí que seria uma total loucura, porque a gente ia perder o gancho da novela. Então, me reuni com o Joaquim, convenci a ele do meu ponto de vista e fomos os dois discutir com o Aguinaldo. A revelação se daria no capítulo 88 e seria feita pelo Padre Albano (Cláudio Cavalcanti) na praça de Asa Branca. Eu e o Joaquim conseguimos persuadir o Aguinaldo a não fazer aquela loucura, o que foi um alívio. Se você analisar o capítulo 88, vai ver que o Albano vai para a praça revelar a verdade. Só que, neste momento, o pai do Roque (Nelson Dantas) sai do coma e aparece para o público, provocando uma comoção que ninguém ouve o que o Padre diz. Essa solução fui eu também que sugeri. Enfim, tenho muitas histórias para contar de "Roque Santeiro". Quando escrever minhas memórias, pretendo relatar todos os detalhes.



AB - Já naquela época, você tinha noção de que estava ajudando a escrever um clássico da teledramaturgia brasileira?



MM - Como já disse, a TV para mim, naquele momento, ainda era uma novidade. Eu vinha do teatro. Tive noção de que participava de uma obra importante. Mas a dimensão do fenômeno só deu para perceber depois. Pessoalmente, me tornei amigo do Dias Gomes e fizemos vários trabalhos juntos. Do Joaquim, sou amigo até hoje. Ele trabalha comigo em "Ribeirão do Tempo". Já o Aguinaldo não é pessoa das minhas relações.

AB - O que achou da ideia da Globo Marcas de lançar "Roque Santeiro" em DVD?

MM - É uma iniciativa louvável, porque foi uma novela que marcou época. Prova disso é que, passados 25 anos, ainda se fala frequentemente dela. É importante para o público poder ter acesso à obra. Para mim, pessoalmente, é muito gratificante, não em termos financeiros, mas em termos sentimentais mesmo.

Amanhã, Joaquim Assis e os 25 anos de "Roque Santeiro"...


Fonte:
André Bernardo (Entrevista realizada em 29/12/2010)

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