Idealista (foi um “ícone de 1968″), perseguido pela ditadura militar, o professor Flores, interpretado por Antônio Grassi, teve a mulher, Dirce (Françoise Forton), brutalmente assassinada nos primeiros capítulos. Quando a trama parecia lhe mostrar o destino do típico perdedor, Flores revolou-se do mal. Utópico alucinado, como define Moraes, é o arquiteto de uma grande conspiração que pode levá-lo à Presidência da República.
Nesta entrevista exclusiva ao R7, Marcílio Moraes, fala da trama e da narrativa de Ribeirão do Tempo e da dificuldade de conquistar o público às 22h e na Record.
O autor Marcílio Moraes (Foto: Michel Ângelo)
R7 – A audiência (dez pontos de média na Grande São Paulo) até agora decepcionou ou era esperada?
Marcilio Moraes – Minha expectativa não era alta no começo, não. Sinceramente, eu achava que não era uma novela para estourar logo nos primeiros capítulos. Eu conduzi a história de uma maneira suave, leve. Foi uma estratégia minha. Claro que eu contava que [a audiência] fosse um pouco mais alta. Foi um pouco mais baixo do que supunha, mas não muito.
R7 – Por que essa estratégia?
Moraes – Porque é uma história complicada. Eu achei que tinha de começar devagar. Mesmo porque não estava achando outro jeito de ir colocando a vida da cidade, construindo os pressupostos daquilo que vem adiante, apresentar os personagens, sem grandes conflitos, sem conflitos acirrados de início. Então eu tinha uma ideia de que [a audiência ia evoluir] lentamente, que o telespectador iria aderir lentamente, ou mais lentamente. É difícil prever.
Na Record é muito mais difícil. Cada novela tem que batalhar o seu espaço, entendeu? Não tem jogo.
R7 – Não tem tanta audiência estática…
Moraes – Não tem aquela fidelização que a Globo conseguiu ao longo de 40 anos. Na Record, cada nova novela tem que matar o leão.
É um horário difícil o das 22h. O público é muito errático. Até você conquistar, segurar o público, leva algum tempo. Errático no sentido de que ele não está fidelizado com muita coisa. A Grande Família tem um público fiel, mas o resto [dos programas] não tem, não. O futebol, se o jogo é bom, tem jeito, se não, é fraco. Casseta & Planeta é uma coisa específica, tem um pessoal que gosta, outro que não gosta. O filme [da Tela Quente] que agrada muito é bom. Isso na Globo. Na Record também, para colocar uma novela ali você tem que conquistar o seu espaço.
Então me preocupei em contar minha história sem criar grandes artifícios para segurar o público. Eu achei que não ia valer muito a pena.
R7 – E quando a novela vai esquentar? Ou ela está esquentando agora?
Moraes – Ela está esquentando. Porque aquele negócio de colocar junto com a Bela causou um retardo grande.
R7 – Ela está uns sete capítulos atrasada, é isso?
Moraes – Pois é, e isso em um total de 20, 22 [capítulos] dá uns 30%. O ritmo fica defasado em 30%. Isso faz diferença, porque o espectador pensa: cadê a história?
R7 – E cadê a história?
Moraes – Ainda não veio, né? Era para vir devagar, mas uma hora tem que vir. Já era para ter vindo. Acho que ela começa mesmo aí com o assassinato do senador. Agora mesmo que ela vai esquentar.
R7 – Quando o senador morre?
Moraes – Na quarta-feira.
R7 – Por falar em assassinato, o Flores é do mal?
Moraes – Aí é que está a questão. Se é que a novela inova em alguma coisa, ela vai por aí, porque o Flores vai se revelar. A novela sempre acaba no maniqueísmo, não há como escapar disso ao longo da novela. O grande exercício do autor é ver até onde ele consegue levar uma ambiguidade dos personagens. Mas chega um momento em que entra o maniqueísmo.
O Flores é do mal, mas toda a postura dele é a de um cara idealista. Vou explorar exatamente isso: ele é um vilão, mas um vilão que vai ter um discurso não sei se politicamente correto, mas politizado, utópico. O que ele tem é uma utopia alucinada na cabeça. Os motivos dele não são mesquinhos, ele não quer botar a mão num bom dinheiro, matar o herdeiro para ficar com a fortuna. Ele tem uma utopia revolucionária. É um alucinado, um psicopata, mas desse calibre, não do calibre pequeno.
Nicolau (Heitor Martinez) atira em Heleninha (Adriana Prado) e no próprio pai, o senador Érico (Henrique Martins), em cena que vai ao ar nesta quarta (Foto: Michel Ângelo/TV Record)
R7 – Na verdade, ele está manipulando o Nicolau com fins políticos, não é?
Moraes – Sim, com fins políticos. Há uma aliança alucinada. Um pouco do barato da novela vai ser esse jogo [de ambiguidade]. Mas vai ficar claro que ele é do mal. Eu acredito que isso aí, quando você entra com o vilão, você segura o espectador, o vilão acirra sentimentos. O resto da história também está amadurecendo.
R7 – Você me disse uma vez que Ribeirão do Tempo é uma novela sobre uma grande conspiração política…
Moraes – É essa a conspiração. O grande conspirador é o Flores. Foi isso que eu tentei esconder o máximo que pude, porque aquele que aparece no início como um herói, uma vítima da ditadura, que teve a mulher assassinada, ele é o vilão. A minha ironia, o meu jogo irônico é esse. Ele faz uma conspiração, ele vai armar esse negócio todo.
R7 – E onde isso vai chegar? Pode contar?
Moraes – (risos) Eu tenho algumas coisas na cabeça, mas há muitos caminhos abertos, para onde posso ir deixando acontecer, um pouco para sentir até onde vai, entendeu? Como é uma ficção política, posso ir para qualquer lugar. No final ele pode ser eleito presidente da República. É uma ficção política, então não tenho compromisso. Eu trabalhei um pouco uma linguagem não compromissada com o naturalismo. Não é bem naturalista a novela. Mas também não é totalmente não naturalista porque a novela exige algum naturalismo. Mas foge do naturalismo.
R7 – Você já deu dicas desse não naturlismo logo no primeiro capítulo, com o velho do rio, a menina que se veste de menino…
Moraes – É, tem umas figuras bem ficcionais. São dicas de que não estou tão compromissado com o naturalismo, que posso abrir, posso viajar um pouco.
Isso tudo eu acho que prejudica a questão da audiência. Prejudica não, exige uma audiência mais atenta, por isso a adesão é mais lenta, por causa da ironia. Mas eu trabalho com todos os elementos do folhetim para segurar o telespectador, mas não estão tão óbvios, pelo menos neste início, tem muitas nuances.
R7 – Esse jogo de “engana”, o Flores parece vítima mas não é, não é perigoso?
Moraes – Pois é, eu escondi muitas cartas, o que é perigoso. O telespectador não vê a carta e vai embora. Mas, enfim, era necessário para criar o clima.
R7 – Por que você fez opção? Por causa do horário mais tardio dos primeiros capítulos, devido ao final de Bela ou foi uma opção de narrativa?
Moraes – Foi uma opção de narrativa mesmo. A forma como a história foi aparecendo na minha cabeça foi essa. Se eu começasse com artifícios, iria me perder. Se adiantasse muito as ações, iria ficar mais difícil para o espectador perceber todo o jogo. Mas na verdade minhas novelas sempre começam devagar.
R7 – As novelas da Record levam mais tempo para se apresentar?
Moraes – Foi o que eu disse no início. Na Record, leva tempo. Vidas Opostas, por exemplo, foi um sucesso, mas padeceu uns dois meses, até que um dia bateu a Globo e aí explodiu. Essas Mulheres também teve um começo difícil. Outras novelas também, como Mutantes. Cada novela tem que chegar e conquistar o seu público.
R7 – Depois do assassinato do senador haverá uma série de crimes?
Moraes – Vai ter assassinatos, mas não imediatamente, porque vai acontecer muita coisa, o jogo da vida da cidade, o jogo político, as ironias, os amores.
R7 – Tem um serial killer na novela, não?
Moraes – Tem o grande vilão, que é o Flores, além do Nicolau.
R7 – Mas o Flores matou a própria mulher, Dirce?
Moraes – Não, a morte da Dirce é outro segredo. Mas não tem um serial killer, alguém matando. O motivo dos crimes é político. Essa é a trama.
R7 – Mas teremos outros crimes?
Moraes – Teremos. Crime é sempre bom, né?
Fonte: Daniel Castro
R7
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